de um moço que se encantou, se encantou...
Nas águas do rio Calçoene
virou pau madeira de amor
e eu fui parar noutro rio
atrás do meu grande amor
nas águas do Araguari
meu coração se encantou
É um rio encantado o Araguari, o
Araguari, o Araguari é um rio do
passado o Araguari, o Araguari, o
Araguari
Vou contar pra você essa história
de um moço que se encantou, se encantou
Vou contar pra você essa glória,
de ser pau madeira de amor
Tarumã, Tarumã e a gente subia o rio
Tarumã, Tarumã se agente morreu foi de amor
Tarumã, Tarumã e a gente descia o rio
Tarumã, Tarumã o rio que nos separou
A Lenda do Tarumã
"E o tronco navega contra a correnteza, levando
incertezas, levando incertezas" (cantiga popular calçoenense).
Dizem que, há muitos anos, às margens do Rio Calçoene, havia
uma pequena aldeia indígena. Era ali que vivia Ubiraci, curumim conhecedor da
fauna e da flora. Desde que nasceu, Ubiraci foi abençoado por Tupã com o dom de
falar com todos os animais, fossem eles da água, da terra ou do ar, e com todas
as árvores, desde as menores até as que cortavam as nuvens e iam fazer sombra
no reino de Tupã. Ubiraci conversava com os bichos e com as árvores,
contava-lhes histórias e sabia de tudo o que acontecia no mundo. E foi assim
que cresceu em plena harmonia com os elementos, filho da água, da terra e do ar
que era.
Um dia, Ubiraci caminhava pela floresta quando descobriu a
mais linda indiazinha que seus olhos já tinham visto. Seus cabelos pareciam com
as quedas-d’água que despontavam das pedras, onde, por tantas vezes, sentou-se
por horas a escutar os pássaros. Seus olhos assemelhavam-se ao anil do céu. Seu
rosto jovem lembrava brotos nascendo da terra, ainda indomados. Suas mãos,
mágicas, se tocavam o solo, desabrochavam sementes. Se voltadas para o ar,
controlavam as chuvas, os ventos e as tempestades. Se apontadas para os rios,
domavam as marés, as pororocas e as maresias. Ubiraci, sem saber, havia se
apaixonado pela Natureza.
Apaixonado, o índio passou a procurar sua amada por toda
parte. Com ajuda dos pássaros, subiu na nuvem mais alta na esperança de vê-la
entre os abençoados de Tupã. Vasculhou cada recanto da floresta e acompanhou os
peixes na imensidão dos rios, mas nunca voltou a rever sua alma gêmea.
Acompanhou a pororoca por entre troncos e barrancos, mas não voltou a vê-la. No
entanto, podia senti-la no canto dos pássaros, nas brisas da manhã, na calidez
da noite e no sussurro sereno das maresias.
Era tanta a paixão que sentia que Ubiraci se esqueceu de
conversar com as árvores, com os animais e com os filhos das águas. O dom que
recebeu de Tupã foi perdido para sempre. Ubiraci só se importava em procurar
pela amada, que julgava estar perdida em algum lugar do mundo. Ele não entendia
que a Natureza estava em todo lugar.
Uma noite, quando o mundo dormia, quando os cantos dos
pássaros haviam cessado e não se ouvia murmúrio algum no seio da floresta,
Ubiraci avistou a Lua, refletida na água. Imaginou que era naquele mundo que
sua amada vivia. Foi tanta a sua felicidade que esqueceu-se de ter perdido seu
dom. Mergulhou no rio, mas quanto mais lutava contra a correnteza, mais parecia
que a Lua se afastava dele. Foi tanto o esforço que fez que as forças o
abandonaram, e Ubiraci sucumbiu à morte. Tupã, compadecido com tanto amor,
pediu à Natureza que transformasse Ubiraci em uma árvore, no meio do rio, para
que fosse lembrado para sempre. À noite, no entanto, quando a maré subia, a
árvore estranhamente desprendia suas raízes do solo e navegava contra a
correnteza. Imaginando tratar-se de magia, seus irmãos índios cortaram a
árvore, deixando apenas o tronco, mas, mesmo assim, o mistério continuou, e
eles, amedrontados, deixaram o local, com medo do tarumã, que, na etimologia
indígena, significa o tronco que se move.
Os anos se passaram, Calçoene transformou-se em cidade, mas
muitas pessoas juram que, ainda nos dias de hoje, o tronco se move, contra a
correnteza, subindo o rio.
Dizem que, quando algum morador depara-se com um amor impossível,
faz promessa ao tarumã, deixando sobre ele algum presente ou alguma oferenda.
Se o tronco navegar rio acima e retornar vazio, o pedido será realizado.
(Autor: Joseli Dias– da obra Mitos e Lendas do Amapá)
Nenhum comentário:
Postar um comentário